A realidade de pessoas tidas como invisíveis pela sociedade
“A sociedade acha que nós somos um bando de vagabundos, drogados, mas não procura saber qual é a razão daquela pessoa estar ali. Não sabem o que aquele jovem e aquela criança passaram, se foram espancados ou abusados em casa”. Desabafa o ex morador de rua Marcelo Azevedo de 36 anos, que atualmente mora num albergue na Zona Sul de São Paulo.
O morador de rua é tão sujeito de direitos e deveres como qualquer outra pessoa, porém a sociedade teima em não reconhecê-lo como tal. As pessoas em condição de rua sofrem com a invisibilidade social, a população estigmatiza essa pessoa como fraca, preguiçosa e sem ambição alguma. Essa má representação social resulta na procura de uma fuga da realidade, e é quando acabam caindo no alcoolismo e nas drogas.
Segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), cerca de 13.600 pessoas, dormem nas ruas ou em albergues municipais e em sua maioria, 84% deles, são homens com idade média de 40 anos. Nos últimos 10 anos, o total de pessoas que vivem em situação de rua em São Paulo cresceu 57%, hoje esta população é maior do que a de 328 municípios paulistas
Não existe um motivo exato que faça uma pessoa ser mais vulnerável a abandonar uma vida e ir parar na rua. Os discursos são variados, como brigas com companheiras (os), pais, ou vícios. São situações que num primeiro momento não parece ter tanta importância a ponto de levá-los para rua. Mais então, o que acontece com essas pessoas que acabaram virando um sem teto? O psicólogo Nilmar de Oliveira, que trabalho a dois anos no Albergue Abecal – Associação Beneficente Caminho de Luz, localizada no Jabaquara, explica essa reação, “essas pessoas já não tem mais força para resolver seus problemas e vão se entregando até se deixar consumir pela rua, que é viciante. Dois ou três dias nela e o individuo é absorvido”.
Marcelo teve uma infância um tanto conturbada, se envolveu com drogas na adolescência e posteriormente em uma briga em seu bairro, o que culminou com ele jurado de morte, e hospitalizado por conta de ferimentos graves. Desde então nunca mais voltou para casa. Já são 15 anos fora de casa e sem ver sua família. “Não posso arriscar, sei que se eu pisar lá vão me matar. Eu já tentei ir anos atrás e quase me mataram. Hoje converso com a minha família por telefone, falo com todo mundo, mas só por telefone”, ressalta.
Nilmar comenta que a maior dificuldade para que os moradores de rua retomem suas vidas é representada pelo estigma social que se abate sobre elas, “Tudo o que você pensa e fala, de certa forma, contribui para o desenvolvimento dos outros. Se você denigre alguém a tendência é que ela se feche”. A perda de vínculos familiares também é uma importante variável pois a liberdade que se tem morando na rua faz com que se quebre cada vez mais esses vínculos. Os perigos e a fome os tornam independentes. Entretanto Marcelo demonstra o desejo de construir uma nova vida, “Ahh eu quero sair daqui, quero o meu próprio lugar, trabalhar com o meu artesanato, e lutar sozinho. E mesmo tendo oportunidade de voltar pra casa agora eu não quero, já me desprende de minha família, aprendi a viver assim”.
Mesmo após passar por situações humilhantes como morador de rua, adquirir uma doença que o vai seguir pelo resto da vida - a esquizofrenia, resultado do constante medo de ser assassinado-, e quase ser morto por overdose quando morou na Cracolandia. Marcelo se considera um vencedor, pois o seu maior fantasma esta sendo superado. Há pouco mais de um ano ele não usa mais drogas, sabe que será uma constante luta e acredita que sairá vitorioso dessa história.
Antes de ir para as ruas Marcelo trabalhava na área de Comunicação Visual, estudou quatro anos para isso, mais hoje não pretende mais voltar para esse setor. E um desejo se faz constante, “eu queria mesmo é estar viajando uma hora dessas, vivendo livre de verdade e vendendo o meu artesanato. Sair por ai, por esse mundão”.
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